quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

SÉRIE "CRÔNICAS DE VERÃO" - (Edição No. 1)

IMPRESSÕES À BEIRA-MAR

Por Cláudio Munhoz

Passeio à beira-mar... O calor é intenso; mas uma brisa fresca, a soprar com suave constância, cuida para harmonizar meu espírito com o clima de uma tarde ensolarada típica de verão. Sigo pelo calçadão de Ipanema com a alma liberta, em direção ao Arpoador. Atrás de mim, o Sol faz projetar no cenário adiante um espetáculo vívido de formas, contornos e cores.

A poucos metros das pedras do Arpoador, busco uma sombra e sento-me à mesa de um quiosque. Entre um gole e outro de água de coco, ofereço um brinde à exuberante paisagem que se abre diante de mim. Meus olhos, em vôos sem planos prévios, perdem-se nas lonjuras de alto-mar, onde o céu e o oceano simulam um encontro e uma certa lembrança me excita o pensamento. E o tempo passa ao largo, disperso, como se a mim não pertencesse, e nem dele tomasse parte.

Cai a tarde. E o Sol, a deslizar lentamente por detrás da montanha, põe-se a pintar no afresco celeste abrasadores matizes do arrebol vespertino, como que a reproduzir as rúbidas nuanças da imagem fúlgida e adorada que trago na memória. Uma lágrima solitária e quente escorre, e deixa em meu rosto um salso rastro de encantamento. Arte, beleza, êxtase... Impressões que desnudam a poesia pulsante da Natureza.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

COLUNA ATELIÊ LITERÁRIO (Edição No. 3)

PELOS MARES INFINITOS DA CRIAÇÃO

Por Cláudio Munhoz


Certa manhã de outono, acordei com uma deliciosa sensação de paz interior. Através da janela do meu quarto, fixei por longos minutos um pedacinho de céu azul, que dava ao cenário cinzento daquele enquadramento enviesado um toque suave de poesia.

Lembrei-me do sonho que tivera pouco antes de despertar. Achava-me num lugar aprazível, cercado de árvores exuberantes e flores silvestres. Por toda parte, pássaros de variadas espécies entoavam, em alegre algazarra, cânticos de louvor à vida. Mais adiante, onde o caminho fazia uma curva para a direita, margeando extensa área descampada, uma multidão se concentrava em respeitoso silêncio. Ao me aproximar daquela gente para certificar-me do que estava acontecendo, vi no alto de um monte um ser de encantadora beleza, semelhante ao Filho do Homem, com vestes alvas e talares, cingido à altura do peito com uma cinta de ouro. Depois de lançar sobre a assistência um olhar terno e pleno de mansidão, ele ergueu os braços e elevou a voz, dizendo:

- Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de personagens.

A multidão, tomada de profunda emoção, pôs-se a segui-lo através do caminho, em direção à grande cidade que, ao longe, reluzia em todo o seu esplendor. No instante em que estava prestes a atravessar o portão daquela misteriosa cidade, uma nuvem branca me envolveu e me arrebatou, trazendo-me de volta ao corpo físico, que logo em seguida iria despertar para mais um dia de luta.

Levantei-me, tomei um banho morno, fiz um leve desjejum e saí para a minha costumeira caminhada matinal. Durante o percurso, meditei profundamente sobre o significado daquele sonho. As impressões que colhera durante aquela viagem astral impregnavam-me a alma de tal modo que, em meio ao trânsito frenético de anônimos passantes, pude captar o valor intrínseco da mensagem que me fora transmitida.

Em verdade, o término de um ciclo profissional, que abrangeu um período de vinte e cinco anos de minha existência, não representava para mim o fim em si mesmo, mas o início de uma nova jornada pelos caminhos da arte. E nesse contexto, a costumeira caminhada matinal pelas ruas do bairro passou a ter um valor simbólico inestimável, porquanto, na livre expansão do desejo de dar vida ao meu projeto literário, achei-me navegando pelos mares infinitos da criação, feliz e determinado, com a humildade de um pescador de personagens e o idealismo transcendente de um mercador de sonhos.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

SOBRE VALORES E CONCEITOS


Por Cláudio Munhoz

A ditadura militar causou ao Brasil danos irreparáveis ao desenvolvimento saudável e edificante das idéias e do pensamento. Na ânsia por liberdade e de apagar da memória os 21 anos de arbítrio, os intelectuais deste país se arvoraram em formular novos conceitos e paradigmas de comportamento, o que, de um modo involuntário ou não, vem resultando num perigoso processo de inversão de valores.

Um exemplo clássico é o desvirtuamento do conceito de Direitos Humanos, que, nas mãos de alguns incautos ou mal-intencionados, transformou-se na principal bandeira a tremular em favor da impunidade.

Classificar de censura o sagrado direito que a democracia confere aos cidadãos de buscarem na Justiça a reparação de palavras, gestos e atos ofensivos à honra e à dignidade humanas é, a meu juízo, incorrer no mesmo equívoco.


(*) Esta pequena crônica refere-se à recente polêmica sobre o decisão da Justiça de proibir a Unidos do Viradouro de exibir no desfile da Sapucaí um carro alegórico representando o holocausto dos judeus durante a II Guerra Mundial.

SÓ PORQUE HOJE É QUARTA-FEIRA DE CINZAS


Por Cláudio Munhoz

Entra eleição, sai eleição, e as promessas são sempre as mesmas. Entra carnaval, sai carnaval, e tudo permanece sem solução. Eis a nossa triste realidade cultural, política, administrativa, econômica e social. Os problemas brasileiros são seculares, assim como secular é a nossa incapacidade de enfrentá-los e resolvê-los.

Fantasiados de cidadãos, pecamos por não fazermos bem a parte que nos cabe nesse intrincado enredo, qual seja, a de cumprir devidamente com os nossos deveres e obrigações, ao mesmo tempo em que não temos a noção clara do que nos é de direito, tampouco de como reivindicá-lo. E sendo essa a atmosfera a envolver tragicamente a passagem da “grande escola” pela avenida, o que esperar daqueles que do nosso meio são alçados para ocupar cargos políticos e postos da administração pública?

O cenário no qual nos movimentamos não poderia ser mais desolador. Enquanto a arrecadação de impostos, tributos e contribuições bate sucessivos recordes, conservando em níveis insustentáveis a carga tributária que pesa sobre os ombros do contribuinte e do setor produtivo, a falta de seriedade e competência na formulação de políticas públicas e no correto investimento dos recursos, aliada à voracidade daqueles que se lambuzam na lama da corrupção e de outras tantas mazelas, empurra o país para a margem da passarela. Em resumo, aqui no Brasil, assistimos com a mais absoluta passividade à prática de uma política tributária digna de primeiro mundo, ao mesmo tempo em que, como contrapartida, o Estado oferece à população serviços públicos cuja qualidade se compara aos mais baixos padrões registrados no continente africano. Para onde está indo a diferença?

É fato, no entanto, que as classes menos favorecidas estão se alimentando melhor, graças aos programas assistenciais do governo que, embora tenham um caráter emergencial da maior relevância, ocultam intenções e objetivos de natureza pouco nobres. Também é verdade que para a população de baixa renda houve um importante incremento na oferta de emprego, por conta da elevação da taxa do nosso crescimento econômico, muito mais motivada pelos ventos favoráveis que sopram na economia mundial há cerca de meia década do que propriamente em decorrência de uma ação vigorosa e coordenada do governo. E quanto ao resto? Não é essa significativa parcela da população que depende basicamente dos serviços públicos para sobreviver? A resposta é uma só: a mão que dá, ou que finge dar, é a mesma que tira.

Os mais ricos, que desde o início da nossa história estabelecem as regras do desfile, assistem a tudo de camarote. Os números extraordinários ostentados pelo setor financeiro nesta década não desmentem essa realidade. Já a classe média, a que contribui com a maior fatia de tudo que vai parar nos cofres do Tesouro, vem sendo fortemente penalizada com o estado de degradação dos serviços públicos, porquanto, para manter sua instável posição social, vê-se forçada a despender vultosos gastos com serviços privados de educação, saúde e previdência, o que na prática se configura num escandaloso caso de bitributação.

Alegorias à parte, vivemos a era do “oba-oba marketeiro”: muito barulho, pouca ação e resultados pífios. De direita, centro ou esquerda, as diferenças de conteúdo ideológico, consistência administrativa e integridade moral e ética entre os nossos governantes e parlamentares têm sido quase imperceptíveis. O Brasil precisa com urgência reavaliar e redefinir conceitos e valores, de modo a promover um amplo e profundo programa de reformas que alcance todos os segmentos, setores e níveis da sociedade. Um projeto sério de nação para um país com a potencialidade material e humana de que dispõe não pode se dar ao luxo de continuar a reproduzir os vícios e as práticas abomináveis de antigos carnavais.

Quanto a isso, há dois mil anos, Jesus já alertava:

“Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, porque semelhante remendo rompe a roupa, e faz-se maior a rotura.
“Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam.”
(Mateus 9: 16-17)