quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

UMA CASA HUMILDE COMO MODELO

Por Cláudio Munhoz

Era uma casa modesta, humilde, como tantas outras daquelas redondezas. Vista de relance, tudo nela poderia escapar aos olhos desatentos de muitos transeuntes. Mas para os que tinham “olhos de ver”, aquela casa singela destacava-se das demais pela intensa luminosidade que dela emanava.

Em seu interior, a mobília rústica, porém funcional, conferia-lhe ares de aparente pobreza. Apenas aparente, porquanto a pobreza a que me refiro estava circunscrita ao plano vulgar da matéria. Em verdade, a energia vigorosa que se espraiava por cada cômodo acanhado cobria-lhe de tal riqueza espiritual que, por vezes, alguém, tomado de viva fé perceberia com clareza que ali funcionava uma representação das instâncias celestiais.

A intensa movimentação de abnegados servidores no desempenho de suas atividades determinava o ritmo de trabalho a demandar-lhes incansáveis esforços. Homens e mulheres, cujas vidas pessoais foram postas de lado por eles próprios em prol de uma causa nobre, revezavam-se em múltiplas tarefas de socorro a um grande número de necessitados do corpo e da alma.

Os serviços de assistência que ali se desenvolviam revelavam a abrangência daquela magnífica obra de caridade: aos famintos e desnutridos, a abençoada refeição a restituir-lhes as energias; aos que buscavam amor e consolação, a palavra sublime do Evangelho do Cristo a renovar-lhes a fé e a esperança; aos enfermos e estropiados, a possibilidade de tratamento e cura através da imposição de mãos e de complexos trabalhos de desobsessão; aos que condicionavam sua crença na Doutrina do Cristo ao testemunho de sinais e prodígios, a ação direta de benfeitores da Espiritualidade, que se apresentavam para os trabalhos de comunicação e esclarecimento, valendo-se de tarefeiros com elevado grau de desenvolvimento mediúnico; aos aflitos e desamparados, o acolhimento e o conforto espirituais proporcionados pela ação prestimosa do atendimento fraterno.

O amigo leitor deve estar se perguntando a que Instituição Espírita este artigo se refere. De fato, seu conteúdo nos leva a tal suposição. Todavia, essa abençoada instituição era nada mais nada menos que a Casa do Caminho, a primeira Congregação Cristã fundada há cerca de dois mil anos pelos apóstolos de Jesus e que funcionava na própria residência de Simão Pedro, em Jerusalém. O advento do Espiritismo, passados 18 séculos da vinda de Jesus à Terra, teve por objetivo reconduzir o Cristianismo às suas origens e trazer novos esclarecimentos acerca do Mundo Espiritual e de sua influência no Plano Material. E é nesse contexto de resgate dos verdadeiros valores cristãos que as Instituições Espíritas têm a Casa do Caminho dos tempos dos apóstolos do Cristo como modelo de organização para o desenvolvimento de seu trabalho de amor e caridade em favor do próximo.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

MOCIDADE ESPÍRITA EM MOVIMENTO


Por Cláudio Munhoz

O futuro do Movimento Espírita depende da atuação consciente e vibrante de sua juventude”. Inspirada nesse lema, a Mocidade da Sociedade Espírita Jorge (SEJ), instituição com a qual colaboro nas atividades de evangelização para adolescentes, vem dando um grande exemplo de como a participação ativa dos jovens pode fazer a diferença no processo de construção de um mundo melhor e mais feliz.

“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra de Deus”, afirmou Jesus, ao instruir os seus discípulos. Em verdade, a palavra de Deus ressoa em nosso íntimo como um convite permanente ao estudo e ao trabalho na seara do bem. E fazer parte de um grupo de Mocidade significa caminhar lado a lado com o Mestre pela estrada da evolução espiritual.

As reuniões da Mocidade da SEJ acontecem todos os domingos, a partir das 9h da manhã. Os jovens, reunidos por faixa etária nos três Ciclos de aprendizado, participam de uma série de atividades, cujo objetivo é orientá-los nos princípios e fundamentos da Moral do Cristo, a base que sustenta e permeia os estudos da Doutrina Espírita. Os trabalhos têm início com uma sessão de passes, seguida de um momento de confraternização através da música, comandado pelo grupo de jovens “violeiros” da SEJ, e da prece de abertura. Após a prece, os grupos dos três Ciclos seguem para as suas respectivas salas, onde cumprem, de forma bastante participativa, o programa de estudos previstos no calendário da Casa.

A ação evangelizadora desenvolvida na Mocidade da SEJ não se restringe ao estudo teórico do Evangelho do Cristo e da Doutrina Espírita. Periodicamente, os jovens participam de atividades especiais, internas e externas, como seminários, congressos, feiras e exposições constantes do calendário de eventos do Movimento Espírita, encontros de confraternização com companheiros de Mocidades de outras instituições, e ações de solidariedade, como visitas a orfanatos e asilos.

Através da prática, os jovens têm a oportunidade de vivenciar tudo quanto lhes é transmitido nos estudos doutrinários. É o que chamamos de Mocidade em Movimento, um trabalho realizado com muito amor e entusiasmo, com as bênçãos do nosso Mestre Jesus e dos mentores espirituais que dirigem a Sociedade Espírita Jorge.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

MANIFESTAÇÕES ESPÍRITAS NA ANTIGÜIDADE

Por Cláudio Munhoz

Os fenômenos espíritas estão presentes na Criação Divina desde sempre. A história da humanidade terrestre registra à fartura manifestações dessa natureza entre os povos primitivos que aqui iniciaram sua marcha evolutiva. Em torno dessas manifestações, muitas histórias e lendas foram criadas, atravessando o tempo graças ao esforço que a tradição oral fez para preservá-las por muitas e muitas gerações.

Esses fenômenos impressionavam de tal maneira aquelas criaturas, que, de uma forma ainda rudimentar, viu-se o homem diante do despertar de uma nova era de entendimento, a partir de uma relação de temor entre ele e uma “força superior”, que, segundo suas convicções insipientes, manifestava-se furiosamente através dos fenômenos da natureza e de acontecimentos sobrenaturais.

A Bíblia Sagrada, tanto no Novo, quanto no Velho Testamento, assim como os livros sagrados de todas as correntes religiosas, está repleta de fatos e eventos em que a revelação de Deus se faz através do contato entre os homens (profetas) e a "Divindade" (espíritos). Jesus, em sua missão na Terra, deu demonstrações inequívocas de que o mundo espiritual era uma realidade a interferir ostensivamente no mundo físico. Através do exercício de sua autoridade como guia da humanidade, o Mestre deixou-nos preciosos ensinamentos de como deveríamos nos preparar para a conquista íntima desse "reino”, de modo que pudéssemos estabelecer com ele uma relação mais direta e racional.

Assim seguiu a humanidade, entre a curiosidade e o assombro, no conflito entre a razão e a mistificação, seu caminho na busca de respostas a tantas indagações. E nos momentos que antecederam o espocar de uma nova Revelação, vamos nos deparar com manifestações ainda mais intensas e instigantes, como os fenômenos de Hydesville e das mesas girantes. Mas isso será assunto para uma próxima oportunidade.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

SALVE, SALVE!

Por Cláudio Munhoz

Pátria amada, mãe gentil... Longe vai o Carnaval, mas a folia corre quente nas veias. Antes era apenas circo, com trapézio e picadeiro; hoje, tem-se pão também. “Pão e circo”, bendita herança dos tempos de Roma, o antigo Império. E, nessa corda bamba, caminhamos nós, felizes e risonhos, de alma lavada e barriga quase cheia (ou meio vazia?). Isto aqui é o paraíso!

No entanto, cuidado! Expor-se ao Sol de um novo mundo pode causar insolação, febre e delírio. Afinal, quem nunca ouviu que este é o país do futuro? Até aí, tudo bem. O problema começa quando alguém, já no final da vida, confortavelmente sentado à beira do caminho, descansando à sombra de uma árvore, se dá conta de que essa singular profecia se arrastará por muitas e muitas gerações sem que se faça cumprir. Bingo! Mais uma vítima do conto do PAC, melhor dizendo, do paco.

Ainda bem que somos um povo heróico, com brado retumbante e braços fortes. E quem não haverá de suportar em silêncio o peso de uma sina tão robusta? Para isso, todavia, há que se ter fé, resignação, coragem e, obviamente, uma dose cavalar de alienação.

Se a esperança é a última que morre, eis que no Parlamento e nos palácios, as Excelências, minhas e Vossas, definem em tom solene os rumos da prosa e dos gastos públicos. “É mister que venham escândalos...”, afirma um incauto da tribuna, em defesa das instituições. “Isso está na Bíblia!”, aparteia um correligionário não menos incauto. Pena que ambos não leram o versículo inteiro. Mas a culpa é do assessor. Sempre será. Também, quem mandou não freqüentar a igreja? Alguém poderia até pensar: “Se uns não costumavam ir à igreja, outros, por sua vez, deixaram de lado a escola.” Pois é! E daí? Não faz a menor diferença. Com um certo jeitinho, dá para sentar no trono com o primeiro grau incompleto. Tudo é uma questão de oportunidade.

Enfim, depois de muitas andanças, e já sem tanta esperança, repousa minha carcaça de quase meio século em berço esplêndido, ao som de axé e funk e à luz fosca do céu cinza-chumbo do progresso. Tudo com bastante ordem, inspirada, talvez, pela sabedoria de um certo gênio da administração pública que encontrou nos rios, lagoas e praias a solução para o destino das fezes urbanas, enquanto as florestas ardem em chamas nos rituais sagrados da cupidez humana. Mas que não venham sobre mim os abutres e as hienas, pois que ainda não é chegada a minha hora. Tenho muito que apodrecer, abraçado à minha velha e ressequida utopia.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

POESIA DO INSTANTE

Por Cláudio Munhoz

Quanto de amor trazes na alma e que de ti faz transbordar um oceano de mistérios? Que segredos pode o Universo preservar, se teu olhar esparge a energia pulsante de incontáveis estrelas?

Pousado em ti, meu pensamento projeta imagens dos versos que teus lábios retêm, pois que a virtude dos anjos te fez poetisa. Mas se nesse inquietante silêncio tua voz ao menos reproduzisse o murmúrio súplice de um riacho, meu desejo de amar-te celebraria solene a sublime poesia deste instante.

quinta-feira, 27 de março de 2008

A LINHA DE SANDY MÜLLER

Por Cláudio Munhoz

Num mundo globalizado, onde o conceito clássico de fronteira começa a perder o sentido, uma linha traçada no chão ou na alma não significa propriamente um ato de separação ou de exclusão. Ao contrário, indica uma corajosa tentativa de unir culturas e expandir a criação para além do senso comum.

Foi com esse espírito, de natureza universal, que a cantora e compositora ítalo-brasileira Sandy Müller Gasperoni desembarcou no Brasil há duas semanas para cumprir uma agenda de shows de lançamento do CD “Linha”, seu segundo trabalho fonográfico. Gravado no Rio de Janeiro, com produção de Marcelo Costa e a participação de vários nomes conceituados da música brasileira e italiana, “Linha” é um projeto idealizado por Sandy Müller e Claudio Pezzotta - parceiro e marido -, responsável pelos arranjos.

Filha de brasileiros, nascida e criada em Roma, Sandy Müller tem suas raízes existenciais e artísticas fincadas em seus dois solos pátrios, uma linha “traçada no chão, no chão / tracciata per terra” sobre a qual caminha, voa e navega, e revela ao mundo o talento e a candura de uma artista sensível e apaixonante.

Das 13 canções que integram o CD “Linha”, 12 são de autoria de Sandy e Cláudio Pezzotta, sendo que “Vorrei”, 12ª faixa do álbum, conta também com a assinatura de Massimiliano De Tomassi. Em “Linha”, Sandy Müller nos convida a uma agradável viagem pelo mundo do Pop (“Linha” / “Monitor” / “Bocca Di Vetro” / “Saudade” / “Estonteante” / “Vorrei” / “Filho”), do samba (“Samba Lento” / “Tamborim” / “Tais E Quais”) e da Bossa Nova (“Já Vi” / “Triste”), inspirada por arranjos bem elaborados, com pitadas suaves de Jazz, Funk e Soul, e letras que mesclam versos em italiano e português com a naturalidade de quem se alimenta da energia musical e poética de duas línguas irmãs. A surpresa, que soa como uma deliciosa homenagem, fica por conta de “La Novità”, versão assinada por Sandy e De Tomassi para a canção “A Novidade” (Herbert Vianna / João Barone / Bi Ribeiro / Gilberto Gil).

Com apresentações marcadas para o Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba, a turnê de Sandy Müller tem tudo para conquistar o público brasileiro. No palco, acompanhada de Claudio Pezzotta ao violão, ela inclui no repertório canções de “Linha” e de seu trabalho anterior, ainda inédito no Brasil. Nessa versão acústica, adaptada para o formato Pocket Show por Pezzotta, Sandy exibe todo o seu talento de intérprete, conferindo a cada canção um toque especial de sensibilidade e leveza.

Quem acompanha a trajetória de Sandy Müller desde antes do lançamento de seu trabalho de estréia em terras italianas, tem uma percepção clara de que “Linha” representa muito mais do que um produto fonográfico de alta qualidade. “Linha” traduz a essência de uma artista que, através da música, reaviva n’alma o desejo imenso de viver, sonhar, compor e encantar-nos com a doçura irresistível de seu canto.

quinta-feira, 20 de março de 2008

ANDARILHO E POETA

Por Cláudio Munhoz

Todo andarilho é um solitário em fuga. E porque, em meio à multidão, caminha, observa e medita, tão imensa é a dor de não se sentir amado.

Todo poeta é um amante em delírio. E porque, na esteira de um desejo sublime, sonha, ama e revela-se, tão lancinante é a dor de sentir-se só.

Eis que sou andarilho e poeta, viajante de longas e extenuantes jornadas. Mas se, à beira do caminho, ao menos pudesse encontrar no fulgor de teus olhos a orientação das estrelas e no silêncio de tua intimidade um pouso seguro para o meu espírito, decerto não temeria os mistérios do amor, tampouco as intempéries da solidão.

quarta-feira, 5 de março de 2008

O SENTIDO DA EXISTÊNCIA

Por Cláudio Munhoz

O homem não precisa de asas para voar; para tanto, basta-lhe o pensamento. Todavia, adstrito às manifestações dos sentidos, ele, de um modo geral, ainda hesita em ir além daquilo que toma por realidade, embora a realidade seja algo em permanente processo de construção e expansão, à qual são incorporados a todo instante novos elementos, princípios, conceitos e valores. Para citar apenas um dos sentidos, muitos permanecem na acanhada idéia do “ver para crer”. Mas se a realidade está circunscrita ao que nos é perceptível, o que somos perante o Universo, em sua dimensão infinita?

Valendo-me do paladar como metáfora, lembro que há muitos séculos a Filosofia propôs um lauto banquete à degustação reflexiva. Se não, vejamos:

Quem somos?” - como o despertar da consciência, princípio da individualidade; “De onde viemos?” - como um processo de investigação da origem, conceito de pré-existência; “Para onde vamos?” - como projeção de um destino, sentido de continuidade e progressão.

Sendo cada um de nós uma individualidade, se temos uma origem e perseguimos um destino, proponho outra indagação: “O que estamos fazendo aqui?” - como forma de reconhecimento do espaço físico e adaptação e integração ao meio, perímetro da ação.

Diante dessas premissas, podemos inferir que o sentido da existência transcende o conceito de vida na esfera do plano da matéria, limitado à estreita faixa entre a concepção e a morte de um ser. E é nesse contexto mais amplo em que nos movimentamos incessantemente em busca de respostas a muitas indagações.

“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, disse Jesus, propondo-nos um grande desafio. E por que não aceitá-lo? Mergulhados na intimidade de nossas almas, busquemos, pois, a verdade, não a verdade do mundo, que confunde e desvirtua o nosso entendimento, mas a verdade absoluta e imutável, que está em Deus, por ser esse o único caminho que nos conduzirá à libertação.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

SÉRIE "CRÔNICAS DE VERÃO" - (Edição No. 1)

IMPRESSÕES À BEIRA-MAR

Por Cláudio Munhoz

Passeio à beira-mar... O calor é intenso; mas uma brisa fresca, a soprar com suave constância, cuida para harmonizar meu espírito com o clima de uma tarde ensolarada típica de verão. Sigo pelo calçadão de Ipanema com a alma liberta, em direção ao Arpoador. Atrás de mim, o Sol faz projetar no cenário adiante um espetáculo vívido de formas, contornos e cores.

A poucos metros das pedras do Arpoador, busco uma sombra e sento-me à mesa de um quiosque. Entre um gole e outro de água de coco, ofereço um brinde à exuberante paisagem que se abre diante de mim. Meus olhos, em vôos sem planos prévios, perdem-se nas lonjuras de alto-mar, onde o céu e o oceano simulam um encontro e uma certa lembrança me excita o pensamento. E o tempo passa ao largo, disperso, como se a mim não pertencesse, e nem dele tomasse parte.

Cai a tarde. E o Sol, a deslizar lentamente por detrás da montanha, põe-se a pintar no afresco celeste abrasadores matizes do arrebol vespertino, como que a reproduzir as rúbidas nuanças da imagem fúlgida e adorada que trago na memória. Uma lágrima solitária e quente escorre, e deixa em meu rosto um salso rastro de encantamento. Arte, beleza, êxtase... Impressões que desnudam a poesia pulsante da Natureza.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

COLUNA ATELIÊ LITERÁRIO (Edição No. 3)

PELOS MARES INFINITOS DA CRIAÇÃO

Por Cláudio Munhoz


Certa manhã de outono, acordei com uma deliciosa sensação de paz interior. Através da janela do meu quarto, fixei por longos minutos um pedacinho de céu azul, que dava ao cenário cinzento daquele enquadramento enviesado um toque suave de poesia.

Lembrei-me do sonho que tivera pouco antes de despertar. Achava-me num lugar aprazível, cercado de árvores exuberantes e flores silvestres. Por toda parte, pássaros de variadas espécies entoavam, em alegre algazarra, cânticos de louvor à vida. Mais adiante, onde o caminho fazia uma curva para a direita, margeando extensa área descampada, uma multidão se concentrava em respeitoso silêncio. Ao me aproximar daquela gente para certificar-me do que estava acontecendo, vi no alto de um monte um ser de encantadora beleza, semelhante ao Filho do Homem, com vestes alvas e talares, cingido à altura do peito com uma cinta de ouro. Depois de lançar sobre a assistência um olhar terno e pleno de mansidão, ele ergueu os braços e elevou a voz, dizendo:

- Vinde após mim, e eu vos farei pescadores de personagens.

A multidão, tomada de profunda emoção, pôs-se a segui-lo através do caminho, em direção à grande cidade que, ao longe, reluzia em todo o seu esplendor. No instante em que estava prestes a atravessar o portão daquela misteriosa cidade, uma nuvem branca me envolveu e me arrebatou, trazendo-me de volta ao corpo físico, que logo em seguida iria despertar para mais um dia de luta.

Levantei-me, tomei um banho morno, fiz um leve desjejum e saí para a minha costumeira caminhada matinal. Durante o percurso, meditei profundamente sobre o significado daquele sonho. As impressões que colhera durante aquela viagem astral impregnavam-me a alma de tal modo que, em meio ao trânsito frenético de anônimos passantes, pude captar o valor intrínseco da mensagem que me fora transmitida.

Em verdade, o término de um ciclo profissional, que abrangeu um período de vinte e cinco anos de minha existência, não representava para mim o fim em si mesmo, mas o início de uma nova jornada pelos caminhos da arte. E nesse contexto, a costumeira caminhada matinal pelas ruas do bairro passou a ter um valor simbólico inestimável, porquanto, na livre expansão do desejo de dar vida ao meu projeto literário, achei-me navegando pelos mares infinitos da criação, feliz e determinado, com a humildade de um pescador de personagens e o idealismo transcendente de um mercador de sonhos.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

SOBRE VALORES E CONCEITOS


Por Cláudio Munhoz

A ditadura militar causou ao Brasil danos irreparáveis ao desenvolvimento saudável e edificante das idéias e do pensamento. Na ânsia por liberdade e de apagar da memória os 21 anos de arbítrio, os intelectuais deste país se arvoraram em formular novos conceitos e paradigmas de comportamento, o que, de um modo involuntário ou não, vem resultando num perigoso processo de inversão de valores.

Um exemplo clássico é o desvirtuamento do conceito de Direitos Humanos, que, nas mãos de alguns incautos ou mal-intencionados, transformou-se na principal bandeira a tremular em favor da impunidade.

Classificar de censura o sagrado direito que a democracia confere aos cidadãos de buscarem na Justiça a reparação de palavras, gestos e atos ofensivos à honra e à dignidade humanas é, a meu juízo, incorrer no mesmo equívoco.


(*) Esta pequena crônica refere-se à recente polêmica sobre o decisão da Justiça de proibir a Unidos do Viradouro de exibir no desfile da Sapucaí um carro alegórico representando o holocausto dos judeus durante a II Guerra Mundial.

SÓ PORQUE HOJE É QUARTA-FEIRA DE CINZAS


Por Cláudio Munhoz

Entra eleição, sai eleição, e as promessas são sempre as mesmas. Entra carnaval, sai carnaval, e tudo permanece sem solução. Eis a nossa triste realidade cultural, política, administrativa, econômica e social. Os problemas brasileiros são seculares, assim como secular é a nossa incapacidade de enfrentá-los e resolvê-los.

Fantasiados de cidadãos, pecamos por não fazermos bem a parte que nos cabe nesse intrincado enredo, qual seja, a de cumprir devidamente com os nossos deveres e obrigações, ao mesmo tempo em que não temos a noção clara do que nos é de direito, tampouco de como reivindicá-lo. E sendo essa a atmosfera a envolver tragicamente a passagem da “grande escola” pela avenida, o que esperar daqueles que do nosso meio são alçados para ocupar cargos políticos e postos da administração pública?

O cenário no qual nos movimentamos não poderia ser mais desolador. Enquanto a arrecadação de impostos, tributos e contribuições bate sucessivos recordes, conservando em níveis insustentáveis a carga tributária que pesa sobre os ombros do contribuinte e do setor produtivo, a falta de seriedade e competência na formulação de políticas públicas e no correto investimento dos recursos, aliada à voracidade daqueles que se lambuzam na lama da corrupção e de outras tantas mazelas, empurra o país para a margem da passarela. Em resumo, aqui no Brasil, assistimos com a mais absoluta passividade à prática de uma política tributária digna de primeiro mundo, ao mesmo tempo em que, como contrapartida, o Estado oferece à população serviços públicos cuja qualidade se compara aos mais baixos padrões registrados no continente africano. Para onde está indo a diferença?

É fato, no entanto, que as classes menos favorecidas estão se alimentando melhor, graças aos programas assistenciais do governo que, embora tenham um caráter emergencial da maior relevância, ocultam intenções e objetivos de natureza pouco nobres. Também é verdade que para a população de baixa renda houve um importante incremento na oferta de emprego, por conta da elevação da taxa do nosso crescimento econômico, muito mais motivada pelos ventos favoráveis que sopram na economia mundial há cerca de meia década do que propriamente em decorrência de uma ação vigorosa e coordenada do governo. E quanto ao resto? Não é essa significativa parcela da população que depende basicamente dos serviços públicos para sobreviver? A resposta é uma só: a mão que dá, ou que finge dar, é a mesma que tira.

Os mais ricos, que desde o início da nossa história estabelecem as regras do desfile, assistem a tudo de camarote. Os números extraordinários ostentados pelo setor financeiro nesta década não desmentem essa realidade. Já a classe média, a que contribui com a maior fatia de tudo que vai parar nos cofres do Tesouro, vem sendo fortemente penalizada com o estado de degradação dos serviços públicos, porquanto, para manter sua instável posição social, vê-se forçada a despender vultosos gastos com serviços privados de educação, saúde e previdência, o que na prática se configura num escandaloso caso de bitributação.

Alegorias à parte, vivemos a era do “oba-oba marketeiro”: muito barulho, pouca ação e resultados pífios. De direita, centro ou esquerda, as diferenças de conteúdo ideológico, consistência administrativa e integridade moral e ética entre os nossos governantes e parlamentares têm sido quase imperceptíveis. O Brasil precisa com urgência reavaliar e redefinir conceitos e valores, de modo a promover um amplo e profundo programa de reformas que alcance todos os segmentos, setores e níveis da sociedade. Um projeto sério de nação para um país com a potencialidade material e humana de que dispõe não pode se dar ao luxo de continuar a reproduzir os vícios e as práticas abomináveis de antigos carnavais.

Quanto a isso, há dois mil anos, Jesus já alertava:

“Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, porque semelhante remendo rompe a roupa, e faz-se maior a rotura.
“Nem se deita vinho novo em odres velhos; aliás rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam.”
(Mateus 9: 16-17)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

O PRAZER DA RELEITURA

Por Cláudio Munhoz

Quando tive a idéia de elaborar uma relação de livros de ficção que marcaram a minha vida, não imaginava a agitação que ela provocaria em meu espírito. Um pouco afastado, nos últimos tempos, de um hábito prazerosamente cultivado desde o limiar da adolescência, a simples evocação desses títulos e a recordação das emoções vividas ao longo de suas páginas fizeram despertar em mim o desejo de promover a abertura de uma temporada de releituras.

Em verdade, a composição dessa lista, colocada à disposição dos amigos leitores no nosso PONTO DE ENCONTRO, foi resultado de um exercício de memória, sem que houvesse, de minha parte, uma intenção deliberada de estabelecer qualquer critério de classificação. A rigor, cada título traz em si a energia que lhe é peculiar; e a expansão dessa energia define a extensão de seus limites no tempo e no espaço.

É interessante observar que nesse contexto particular de seleção o conceito universal de Clássico da Literatura se dilui em maior ou menor grau. Nesse sentido, o próprio leitor passa ter a prerrogativa de estabelecer novos parâmetros de conceituação do termo, tomando como referência os títulos por ele listados. E é essa condição especial de clássico, de caráter estritamente pessoal, que seduzirá o leitor a tirar da prateleira um desses livros, levando-o a empreender uma nova e fascinante viagem de exploração por terras anteriormente descobertas.

A releitura de um livro tem o poder mágico de produzir no leitor uma sensação singular, ao conduzi-lo por um caminho que ao mesmo tempo lhe oferece a perspectiva de dois mundos distintos, porém, caprichosamente sobrepostos: enquanto um preserva as impressões captadas no transcorrer da primeira incursão, o outro abre a possibilidade de se perfazer o mesmo percurso a partir de um ponto de vista diferente, determinado pelo acúmulo de experiências e vivências. Em ambos os casos, a motivação do leitor em reeditar sua aventura está na expectativa de um confronto entre as novas e as antigas emoções, ocasião que lhe permitirá avaliar com mais precisão seu próprio grau de evolução através dos anos. E é nessa conjugação de valores que a releitura proporcionará ao leitor uma fonte inesgotável de encantamento e prazer.

domingo, 27 de janeiro de 2008

A ALMA IMORAL

Por Cláudio Munhoz

Um dos pontos altos da temporada teatral de 2007 foi, sem dúvida, a peça A Alma Imoral, um monólogo de Clarice Niskier, adaptado por ela do livro homônimo de Nilton Bonder. O texto da peça nos induz a uma reavaliação de princípios e valores que permeiam a vida em toda a sua dimensão, a partir da reflexão sobre conceitos de corpo e alma, certo e errado, traidor e traído, obediência e desobediência, e por aí vai.

O monólogo está estruturado em torno de histórias do Velho Testamento, de parábolas de sabedoria judaica e de informações históricas e científicas, entrelaçando temas como religião e biologia. Seu objetivo é levar-nos a meditar sobre o caráter da nossa missão, que vai além do sentido restrito da procriação, e nos oferece a possibilidade de vivermos a transcendência de nós mesmos.

“Não há tradição sem traição; não há traição sem tradição”, afirma Nilton Bonder, através da voz de Clarice. Segundo ainda o autor do livro, as tradições trazem o poder das instruções do passado. Mas a necessidade de transcendência, que por vezes é vista como "traição", está ligada ao princípio de continuidade da espécie. Nesse sentido, pode-se inferir que o conceito de alma, como força "traidora", traz o poder das instruções do futuro, como a colaborar em larga medida para a evolução da espécie.

Diante do espelho da consciência, materializado pela presença sóbria e elegante de Clarice no palco, experimentamos a sensação de projetar para o mundo externo as complexidades do mundo interior. Por conseguinte, o texto da peça converte-se num olhar arguto, através do qual nos defrontamos com a nudez tácita da própria alma. Mas afinal, em que consiste a imoralidade da nudez? Bem, a intenção de Clarice com esse trabalho magnífico é a de mobilizar o pensamento e a emoção do espectador na busca da resposta, cabendo a ele a árdua tarefa de desvendar tão instigante enigma.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

COLUNA ATELIÊ LITERÁRIO (Edição No. 2)

O NASCIMENTO DE UMA HISTÓRIA

Por Cláudio Munhoz

Muitos devem se perguntar como nasce a idéia de um romance na mente de um escritor. De uma só tacada? Aos pedaços, como num jogo de quebra-cabeça? De que maneira as tramas centrais e periféricas são construídas? E os personagens, heróis, vilões e os menos favorecidos que povoam o mundo de uma obra ficcional, de onde vêm? Quem são, na verdade?

É bem provável que as respostas a essas e outras tantas indagações tenham muitas versões. Cada escritor naturalmente possui um método bem particular para conceber e desenvolver um enredo e as criaturas que nele se movimentarão. Uns escrevem por impulso, num processo quase intuitivo; outros já preferem uma construção mais sistemática. Seja como for, tão excitante quanto a leitura de um bom romance é imaginar o que se passou na cabeça daquele autor ao longo de todo o processo criativo.

Não sei se todos os escritores estariam dispostos a abrir espontaneamente as portas de seu mundo secreto, ou mesmo quando instigados por algum interlocutor. Todavia, em resposta ao que ninguém jamais me perguntou, tenho a revelar que, antes de me sentar diante do computador para dar início ao desenvolvimento de um romance, conto, roteiro ou peça, a história passa por um longo estágio de maturação mental. Em primeiro lugar, surge a idéia da trama principal, com as devidas aberturas para possíveis desdobramentos. Nesse momento, pouco a pouco os personagens começam a desembarcar em seu novo mundo, em atendimento a uma convocação imperiosa. Alguns chegam quase prontos, outros na forma de um embrião; mas todos passam por um período de incubação, ocasião em que lhes são modelados os atributos físicos e psicológicos. Em seguida, ou concomitantemente, o mundo onde a história se desenrolará e o tempo em que se situará são definidos ou especialmente construídos de tal modo que possam atender às necessidades e exigências para o bom andamento da trama.

Terminada essa etapa preliminar de construção do enredo, dos personagens e do cenário, tem início a fase de minha ambientação ao novo meio físico. É para lá que secretamente me mudo de mala e cuia e passo boa parte do meu tempo a viver as emoções e as sensações daquele ambiente, absorvendo os elementos que a sua atmosfera produz. Relaciono-me com os personagens na intimidade a ponto de sentir-lhes os movimentos, desejos, frustrações e toda a sorte de experiências. Junto com eles, enfim, participo ativamente de todos os fatos e eventos, como um sinal inequívoco de cumplicidade e solidariedade.

Daí para frente, a conversa muda de figura. É hora de me sentar diante do computador e começar a escrever a história. O resultado? Só Deus sabe. Sei apenas que a jornada é longa e imprevisível, apesar de todos os preparos e cuidados.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O ELEMENTO POÉTICO NAS LETRAS DE MÚSICAS

Por Cláudio Munhoz

Para entrar no mérito deste assunto, um tanto controverso, por sinal, uma pergunta se faz necessária: devemos pretender que as letras de músicas guardem em sua estrutura as características e os elementos de um poema?

A princípio, uma letra de música para soar agradável aos ouvidos da alma não precisaria necessariamente possuir tais atributos, porquanto a música, como qualquer outra forma de expressão, tem a sua linguagem própria. Em regra, a evolução melódica de uma composição estabelece a freqüência em que o autor deverá sintonizar seu texto para a elaboração da mensagem. A questão, nesse caso, seria mais de sensibilidade, competência e domínio da linguagem musical para se obter bons resultados.

Muitos poetas de ofício costumam se aventurar pelas trilhas sinuosas da música com extrema habilidade e bom gosto, e nem por isso conseguem ou se propõem a produzir poemas na acepção do termo. No entanto, a proposta de musicar um poema, por vezes, pode alcançar resultados surpreendentes, quando a fusão das duas formas de linguagem se dá de um modo harmonioso, como, por exemplo, ocorreu com Motivo, de Cecília Meireles, musicado por Fagner.

A presença do elemento lírico, em maior ou menor grau, na concepção de um poema pode nos induzir a pensar que a música permeia e influencia o ato de criação poética, o que nem sempre corresponde à realidade. Se Cecília Meireles fez transbordar musicalidade em sua obra poética, João Cabral de Melo Neto tratou de negar tal premissa de forma enfática.

Todavia, a esse respeito, Caetano Veloso, na canção Outro Retrato, do CD Estrangeiro, apresenta, em tom confessional e intimista, seu ponto de vista, a partir de uma bem-humorada menção a dois importantes personagens do cenário cultural brasileiro responsáveis por sua formação musical e poética, ao confrontar o que o poeta João Cabral pensava sobre a música com a posição do músico João Donato em relação à poesia (“Minha música vem da música da poesia de um poeta João que não gosta de música. / Minha poesia vem da poesia da música de um João músico que não gosta de poesia”).

E é justamente nesse processo de depuração do “eu” artístico, posto a nu em Outro Retrato, que Caetano Veloso coloca o debate um tom acima: a afirmação da imagem do músico-poeta e do poeta-músico perante sua obra é o resultado de uma busca incessante pelo ponto de convergência entre a música e a poesia, em cuja dimensão habitam os poucos iluminados, aqueles que no desenvolvimento de sua arte alcançaram o altar da excelência artística.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

COLUNA ATELIÊ LITERÁRIO

BEM-VINDOS AO MEU ATELIÊ

Por Cláudio Munhoz

Para celebrar a estréia desta coluna semanal, que tem como proposta convidar o público leitor a um agradável passeio pelos jardins secretos da criação literária, tomei a iniciativa de abrir as portas do meu ateliê e transformá-lo num aconchegante ponto de encontro virtual.

A idéia de batizar minha estação de trabalho de Ateliê Literário surgiu em 2004, durante uma mostra individual de um querido amigo, o artista plástico Lauro Müller. Esse ato aparentemente simbólico, na verdade, foi determinante para que eu me lançasse à descoberta de novas rotas. Não por acaso, naquele período, meu processo criativo passava por uma fase de profundas transformações. O contato mais intimista com outras formas de expressão artística possibilitou-me uma viagem fantástica a um mundo de múltiplas faces, do qual pude extrair novos e importantes elementos, conceitos e valores. E nesse sentido, a estética transcendente das obras de Lauro Müller e o efeito que suas pinturas abstratas e instalações produziram em meu espírito contribuíram substancialmente para o alargamento de minha capacidade de percepção e de criação poética, abrindo, assim, caminho para excitantes incursões no campo do experimentalismo.

Num contexto puramente espiritual, o Ateliê Literário não está circunscrito ao espaço físico que ocupa. Ele vai muito além: avança pelas plagas infinitas e imponderáveis do plano mental e faz transbordar em minha alma sua energia vibrante e difusa. Sem dúvida, o trabalho é fonte de desenvolvimento e de geração de riqueza; mas o melhor tesouro que dele se pode guardar é o prazer da realização, uma sensação de felicidade permanente, própria daqueles que, com humildade e entusiasmo, encontram nas terras férteis da inspiração criadora uma razão para renovar-se e amar a vida intensamente.

Sejam bem-vindos ao meu Ateliê Literário!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

REFLEXÕES DE UM ESCRITOR (1)

Por Cláudio Munhoz

Numa dessas reflexões de final de ano que costumamos fazer diante do espelho da alma, tive uma visão reveladora: por detrás daquela imagem do romancista e poeta em processo de transformação estava o fantasma do leitor.

A verdade é que passei boa parte da minha vida mergulhado em livros. Cresci seduzido pelo silencioso e aconchegante canto das letras e das idéias; e cedo me vi a percorrer caminhos múltiplos, a visitar lugares excitantes e a conhecer pessoas encantadoras. Sentado na velha poltrona, ou preguiçosamente esparramado na cama, sentia-me senhor de todos os mundos e do tempo.

Na extensa lista de títulos visitados e percorridos estão obras de diversos gêneros, a maioria localizada entre os séculos XVIII e XIX. Houve um tempo em que esse fascínio por épocas mais remotas chegou a erguer um véu escuro sobre as novidades do mundo da literatura contemporânea.

Certo dia, porém, quando o leitor que havia em mim revelou o desejo de levantar-se e assumir uma identidade mais ousada, qual seja, a de escritor, não foi o passado que lhe deu abrigo. Na verdade, o presente era a sua morada; e o futuro, seu destino.

Naquele momento, percebi que, mais do que a evocação de antigos espectros, foram os elementos vivos do nosso tempo que deram forma ao conteúdo que começava a transbordar: o cinema a determinar o ritmo e o colorido da prosa, e a pintura abstrata a abrir clareiras para novas experiências no campo da poesia.

Assim revela-se a arte: pura e sensitiva. E na transcendência da criação, todas as possibilidades são caminhos retos que conduzem o artista aos braços do Criador Maior.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

A POESIA DO INCÔMODO DE ORIDES FONTELA

Por Cláudio Munhoz

Em meados de 2006, a editora Cosac Naify, em parceria com a 7Letras, ofereceu aos amantes da poesia um brinde especial, ao publicar Poesias Reunidas (1969 – 1996), de Orides Fontela (1940 – 1998).

Lembro-me que comecei a ter contato com a obra de Orides Fontela em 1996, por ocasião do lançamento de sua última publicação, Teia, editada pela Geração Editorial. Curiosamente, constatei que uma das vertentes do trabalho que venho desenvolvendo como poeta guarda estreita afinidade com a proposta de Orides, qual seja a de buscar a amplitude e a profundidade da criação através de poemas concisos.

Formada em filosofia, e lutando com extrema dificuldade para sobreviver como professora do ensino fundamental e bibliotecária, essa paulista de São João da Boa Vista deixou-nos uma obra poética de grande valor literário, que encontrou na crítica especializada, tanto no Brasil quanto no exterior, o merecido reconhecimento.

O temperamento intempestivo de Orides, que lhe custou irreparáveis desavenças, principalmente com os amigos muito próximos, talvez refletisse em grande medida esse sentimento ambíguo que lhe dilacerava a alma e impregnava-lhe os versos curtos de uma forma contundente e fria, porém, não menos sensível e perspicaz, provocando no leitor uma estranha sensação de incômodo.

Sem dúvida, a iniciativa da Cosac Naify e da 7Letras veio em boa hora. Em Poesias Reunidas, a intenção de mergulhar no universo poético de Orides Fontela não pode ser reduzida a um simples ato de constatar e reconhecer a grandeza de sua obra. Mais do que isso, deve ser ampliada no desejo de tentar entender um pouco mais a alma de uma poetisa atormentada e solitária, que morreu praticamente na miséria, abraçada à riqueza que a sua poesia produziu.

A ARTE E A VIDA

Por Cláudio Munhoz

A arte imita a vida, ou seria o contrário? Em verdade, ambas se fundem e se confundem. E sendo parte da criação, podemos deduzir que a vida é a arte em si mesma. Há aqueles que afirmam ser possível viver sem a arte. No entanto, a vida sem arte é vazia, fria, triste e solitária. É como se não existisse. Passa ao largo de tudo quanto se faz belo para encantar nossos olhos. E quem tem olhos de ver (com alma), veja, porquanto elevar a vida à condição de arte é louvar e dignificar a obra do nosso Criador.